Heróis e heroínas na evolução do Direito
- admjornale
- há 20 minutos
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01/12/2025
“A pobreza não é crime, mas ajuda muito a chegar lá”. – Millôr Fernandes

Se a história da humanidade é a biografia dos grandes homens e mulheres, alguns deles e delas merecem destaque na cultura jurídica e nos servem como modelos, referenciais e padrões éticos. São figuras cuja sensibilidade e coragem, em determinados momentos históricos, ampliaram os horizontes do Direito e o aproximaram da dignidade humana.
Nelson Hungria, ao discorrer sobre o crime e a miséria, recorda o drama de uma infeliz mulher que, para escapar da “tortura da fome (da fome, entenda bem!), tirou a própria vida e de seus dois filhos pequenos, atirando-se agarrada a estes, entre as chamas de uma fogueira”. Esse episódio, como tantos outros, revela o limite extremo da miséria humana e expõe a urgência de considerar a realidade social na interpretação jurídica.
Miguel Reale já ensinava que a regra jurídica não pode ser entendida sem considerar as circunstâncias de fato e os valores. A necessidade dos miseráveis passou a ser foco de atenção e consideração jurídica. Da França veio a primeira sentença: o juiz Magnaud, no Tribunal de Chateau Thierry, absolveu Luiza Mesnard, que após quase dois dias de abstinência alimentar, furtou um pão para matar a própria fome e a de seu filhinho de 2 anos.
Antes da sentença do juiz Magnaud, era muito fácil dizer, de barriga cheia, que a fome dos outros não justificava condutas antissociais. A corajosa decisão de nosso herói reproduziu os pensamentos humanitários que se desenvolveram universalmente.
Ainda hoje, o estado de necessidade, quando configurada a situação de perigo, justifica e exclui o crime. O furto famélico (para matar a fome), desde que considerado como tal, dependendo das circunstâncias do caso, pode isentar o réu da pena ou até excluir o crime.
Várias decisões, nos casos concretos, se fundamentam no fato de que ninguém subtrai um pão, por exemplo, para acrescentá-lo ao seu patrimônio. São justamente essas decisões que demonstram que o Direito evolui também pela sensibilidade de seus intérpretes.
Nesse sentido, é simbólico recordar que, em 08 de dezembro, celebra-se o Dia da Justiça, data dedicada a refletir sobre a função social do Poder Judiciário e o compromisso permanente de promover uma justiça efetiva, acessível e humana. Isso foi possível em grande parte pela participação feminina.
As mulheres só há poucos anos começaram a integrar o mundo do direito e nossos tribunais, como lembra meu amigo Desembargador Antonio Pessoa Cardoso em artigo publicado no Migalhas “a sociedade patriarcal impôs, por muito tempo, a cultura discriminatória e de dominação do sexo masculino sobre o feminino”. Só em 1897 uma mulher ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi Maria Augusta Saraiva. A primeira advogada do Brasil, Myrthes Gomes de Campos concluiu o bacharelado em Direito em 1898, mas, por conta do preconceito, foi só em 1906 que conseguiu registro no Instituto dos Advogados do Brasil, o que lhe assegurou a condição para o exercício da advocacia. No Brasil, até o ano de 2000, só homens haviam integrado o Supremo Tribunal Federal. Após cento e setenta e dois anos de funcionamento, Ellen Gracie Northfleet foi a primeira mulher a integrar a suprema corte brasileira (https://www.migalhas.com.br/depeso/3887/a-mulher-nos-tribunais).
A participação feminina tem humanizado e qualificado as profissões jurídicas e os nossos tribunais. Na Presidência da ministra Ellen Gracie, firme e discreta, o Plenário do STF julgou de uma só vez 4.908 processos relacionados ao pagamento de pensão por morte pelo INSS, assegurando direitos à milhares de pessoas.
O exemplo de decisões históricas e contemporâneas que asseguram a dignidade da pessoa humana e que resguardam o estado de necessidade revela que a Justiça, para ser digna do nome que carrega, precisa olhar para além da letra fria da lei e alcançar o ser humano em sua realidade concreta.
Muito temos ainda de avançar em busca de uma Justiça mais próxima da realidade e da humanidade das pessoas. Evoluímos e ainda que tenhamos muito a melhorar, podemos comemorar o Dia da Justiça porque ela está melhor do que no passado.
Ainda assim, cabe refletir: quando o Direito ignora a realidade daqueles que lutam apenas para sobreviver, que tipo de justiça está realmente sendo promovida?
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Roberto Portugal Bacellar
Desembargador TJPR, Diretor-Geral da Escola Judicial do Paraná e Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
Foto: Divulgação








