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Opinião

  • admjornale
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EM DIA COM A JUSTIÇA - UM ANO DE REFLEXÕES


30/12/2025


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Ao longo de 2025, a coluna Em dia com a Justiça, publicada no Jornal do Ônibus, propôs um exercício simples e necessário: olhar para a Justiça como um valor que vai além dos juízes e dos tribunais. Em textos quinzenais, buscamos aproximar o Direito da vida cotidiana, transformando temas jurídicos em histórias e perguntas reflexivas. Além de informar, o objetivo foi convidar o leitor a pensar, refletir e agir (ação-reflexão-ação) ao perceber que a Justiça se constrói nas escolhas que fazemos no nosso dia a dia.


Uma dessas reflexões partiu de uma história simples, quase infantil, mas cheia de significado. Duas crianças (dois irmãos) brigavam por uma única laranja. A solução imediata do adulto (mãe) para resolver a disputa foi a mais comum: dividir o fruto ao meio, garantindo partes iguais para cada um. Só depois da decisão veio a pergunta que não havia sido feita antes: para que cada um queria a laranja? A menina queria apenas a casca, para fazer um bolo; o menino só queria chupar a fruta, sem a casca, por evidente. Ao dividir a laranja sem ouvir os interessados, perdeu-se exatamente aquilo que cada um precisava.

A história faz pensar que decisões aparentemente justas podem ser absurdamente injustas quando tomadas sem ouvir, sem a necessária escuta. Foi a partir desse exemplo que apresentamos “métodos” para tratar conflitos, como a mediação, a conciliação e a justiça restaurativa como caminhos que privilegiam a conversa respeitosa, o diálogo e lembram que ouvir pode ser o primeiro passo para fazer justiça. Além de oratória (habilidade de falar bem), desenvolver a escutatória (qualidade de bom ouvinte, que além da audição mecânica, verdadeiramente escuta). O neologismo popularizado por Rubem Alves nos inspira a ouvir mais e falar menos. Dizem não ser por acaso que temos duas orelhas e apenas uma boca.


Em outro texto, tratamos da carteira de motorista “comprada”. A história trouxe a seguinte situação: alguém que com pouca habilidade para dirigir um carro recorre a um “jeitinho” e tenta comprar a carteira de habilitação. Mais do que perceber a ilegalidade do ato é preciso refletir profundamente: algumas dessas transgressões, algumas vezes, passam a ser vistas como de menor importância, como desculpáveis e normais.

Quando isso acontece, o errado deixa de causar desconforto e a ética vai sendo empurrada para segundo plano. Essa normalização do desvio — conhecida como normose— foi apresentada como um risco silencioso, capaz de enfraquecer a confiança, a responsabilidade e a própria ideia de Justiça, que ali se revelava não como imposição externa, mas como escolha cotidiana.


Outros temas também foram trazidos à reflexão. Falamos sobre tradições jurídicas, como o curioso Dia da Pendura, para lembrar que não há Justiça possível sem respeito aos princípios da legalidade e da tipicidade. Só há crime se houver previsão expressa. A brincadeira estudantil, mais do que folclore, serviu para mostrar que o Direito precisa ser claro, preciso e coerente. A Lei é a garantia da nossa Liberdade.


Também refletimos sobre o acesso ao Direito e à Justiça, um desafio permanente em um país marcado por desigualdades. Discutimos avanços importantes, como Juizados Especiais (conhecido por Juizado de Pequenas Causas), Cejuscs, Defensorias e o uso da tecnologia, mas lembramos que o acesso só é verdadeiro quando o cidadão consegue compreender, participar e se sentir respeitado.


As crianças ocuparam um lugar central em nossas reflexões. Ao estimular as crianças a pensar seus deveres, seus direitos, sobre o meio ambiente e sobre a convivência com o diferente, vimos que civilidade, cidadania e justiça, também se aprendem desde cedo. Justiça não é brincadeira, mas é pelo brincar, pelo diálogo e pela escuta que valores como respeito e responsabilidade começam a se formar. Proteger a infância, lembramos, não é promessa futura, é dever imediato. Criança que brinca de fazer justiça, aprende que justiça não é brincadeira.


Voltamos também à História, com a primeira Constituição escrita do mundo, a Magna Carta, para recordar que direitos e liberdades são conquistas que exigem vigilância constante. Democracia e Justiça não se mantêm sozinhas: dependem de participação, atenção diária e compromisso coletivo.


Falamos ainda da linguagem simples, talvez uma das transformações mais silenciosas e necessárias do Poder Judiciário. Não há acesso à Justiça quando a comunicação afasta, confunde ou exclui. Falar com clareza é um gesto de respeito e um exercício de cidadania.


Por fim, destacamos pessoas que ajudaram a humanizar o Direito, lembrando que a Justiça avança quando reconhece a realidade humana por trás dos processos. Decisões sensíveis, exemplos corajosos e trajetórias pioneiras mostraram que o Direito não se esgota na letra da lei — ele ganha sentido quando protege a dignidade dos seres humanos.


Olhando para esse percurso, percebemos que a Justiça vive muito além dos tribunais. Ela nasce e é regada na escola, na família, no trabalho, na vizinhança, nas pequenas escolhas cotidianas que fazemos. Fazer o que é certo, não tem preço.


A Justiça se realiza quando ouvimos antes de julgar, compreendemos antes de condenar e reconhecemos no outro um semelhante com virtudes e vícios, como nós mesmos. Uma sociedade justa se forma por leis bem escritas e mais do que isso por pessoas dispostas a torná-las vivas no respeito, verdade, na honestidade, na empatia e na responsabilidade compartilhada.


Se este ano nos ensinou algo, foi que a Justiça é menos um destino e mais um caminho. Um caminho que só faz sentido quando é percorrido juntamente com os outros. Ao longo deste ano, a coluna foi um convite constante à ampliação da consciência — um chamado para olhar além do óbvio, escutar com mais atenção (escuta ativa), agir com sensibilidade e reconhecer nossa responsabilidade no mundo que compartilhamos.


Agradecemos a todos que nos acompanharam ao longo de 2025.


Que 2026 nos encontre atentos, íntegros e comprometidos em construir, a cada dia, relações mais humanas, escolhas mais éticas e espaços mais justos. E que possamos seguir iluminando esse caminho, mantendo viva a disposição de refletir, aprender e agir com humanidade.


Que continuemos juntos, no próximo ano, sempre “Em dia com a Justiça”.


Acompanhe o perfil @robertoportugalbacellar no Instagram para ter acesso a conteúdos relacionados aos nossos artigos. Para dúvidas, sugestões ou comentários, entre em contato pelo e-mail: portugalbacellar@gmail.com. Queremos que você diga o que pensa e o que gostaria de conhecer sobre Cidadania, Filosofia, Ética, Direito e Justiça.


Roberto Portugal Bacellar

Desembargador do TJPR, Diretor-Geral da Escola Judicial do Paraná e Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados


Carolina Baggio Lipski

Assessora da Escola Judicial do Paraná


Foto: Divulgação



 
 
 

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