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O STF não é o Poder Moderador II

30/11/2021


Por Ricardo Alexandre da Silva (*)



Na coluna da semana passada fiz algumas considerações sobre o papel do STF. Afirmei que sua função é controlar a constitucionalidade dos atos do Executivo e do Legislativo e critiquei a declaração do ministro Dias Toffoli, para quem o STF exerceria a atribuição de Poder Moderador.


Enfatizei, então, que a referência ao Poder Moderador era extremamente infeliz. Era por meio do exercício deste poder que o Imperador tomava medidas arbitrárias no Império, interferindo nos demais poderes. Cabia a D. Pedro II nomear juízes, destituir a câmara e indicar os senadores vitalícios. Essas prerrogativas eram exercidas sem que houvesse qualquer controle, sendo evidente a concentração de autoridade e os abusos.


Um dos atos arbitrários praticado pelo Poder Moderador foi a dissolução, em 1868, do Gabinete Ministerial comandado por Zacarias de Góes e Vasconcelos. A Liga Progressista, partido que reunia liberais e conservadores moderados, havia triunfado nas eleições. Apesar disso, caiu o gabinete ministerial comandado por Zacarias, sendo nomeado em seu lugar o visconde Itaboraí, um dos principais nomes do Partido Conservador. A possibilidade de arbítrio integrava a essência do Poder Moderador, sendo esse o motivo pelo qual os progressistas defendiam a sua contenção e os liberais radicais, bem como os republicanos, sua extinção.


Logo, quando se compara o Supremo ao Poder Moderador, acaba-se por admitir que a Corte pode atuar arbitrariamente, interferindo nos demais poderes. Não é isso que se pretende para o Brasil. O autoritarismo, venha de onde vier, deve ser combatido. Dito isso, cabe perguntar: de que modo o STF deve agir, a fim de controlar a constitucionalidade sem exorbitar seus poderes? A pergunta é dificílima.


Em livro recentemente lançado, intitulado “Processo Constitucional e Democracia”, o Professor Luiz Guilherme Marinoni, titular da cadeira de Direito Processual Civil da UFPR e um dos maiores juristas brasileiros, procura dar uma resposta. Em poucas palavras e sem a pretensão de resumir em uma coluna um livro denso, redigido em milhares de páginas, pode-se afirmar que para o ilustre Professor é fundamental que haja diálogo institucional. Ou seja: o Supremo interpreta a Constituição, mas na Constituição não está escrito que ele tem a última palavra. Para que a democracia seja assegurada, o Legislativo e o Executivo também devem ser consultados, não podendo ser tolhidos pela atuação da Corte Suprema.


Rodadas institucionais definiriam os valores a prevalecer em cada caso. Tome-se por exemplo o aborto. Neste tema, inexiste consenso. Há o que se chama de dissenso moral relevante. De um lado, há os que defendam a vida do feto, considerando-a fundamental. De outro, há os que sustentam a primazia da vontade da mulher, a quem caberia decidir pelo prosseguimento da gravidez. Deve-se reconhecer que ambos os lados representam posições baseadas em princípios morais relevantes. O direito à vida do feto se choca com a liberdade da mulher em abortar. Em assunto tão polêmico, se o Supremo considerasse inconstitucional o crime de aborto, seria admissível que o Congresso iniciasse nova rodada institucional, pronunciando-se sobre o tema por meio de lei. Caberia ao Supremo novamente decidir sobre a constitucionalidade da criminalização.


É certo que haveria tensão entre os poderes, mas por meio dela poderia ser observada a vontade popular. O controle de constitucionalidade é um instrumento universalmente conhecido. Desde o célebre caso Marbury x Madison, decidido pela Suprema Corte dos estados Unidos em 1803, admite-se que caiba ao tribunal supremo a decisão sobre a constitucionalidade dos atos do Executivo ou do Legislativo. Ocorre que o controle de constitucionalidade pelo Judiciário não pode significar a exclusão dos demais poderes, principalmente porque isso acarretaria substancial déficit democrático.


Quando inexistisse lei, não caberia ao Supremo se pronunciar sobre o tema até que o Legislativo o fizesse. Além disso, a decisão do Supremo poderia ser contrastada por posterior promulgação de lei, por meio da qual fosse cristalizada a vontade popular. Embora essa concepção não seja imune a críticas, é certo que por meio dela se resguarda a democracia e os anseios populares. O Rule of Law, o Império do Direito, não aceita que o Supremo atue como Poder Moderador. No próprio exercício do controle de constitucionalidade o Supremo não pode exorbitar seus poderes, sendo admissível que, após a decisão da Corte, continue o diálogo institucional com os demais poderes. A tarefa é complexa, mas sem diálogo institucional, cairemos em uma indesejada juristocracia, em que os rumos do país serão definidos pela Corte, à revelia do povo. Não é isso o que queremos.


(*) Ricardo Alexandre da Silva é advogado, professor e presidente do IFL – Curitiba.









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