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O Individualismo como Sintoma Social

  • Foto do escritor: JORNALE
    JORNALE
  • 13 de mai. de 2021
  • 2 min de leitura

13/05/2021


Artigo de Valéria Pilão (*)



A ascensão do neoliberalismo como forma predominante de organização política e social, a partir do final de década de 1970, exacerbou o desenvolvimento de subjetividades ainda mais individualistas. Isto porque as formas de organização preponderantes do trabalho, das estruturas políticas e governamentais, e da assistência social, privilegiam os indivíduos – em detrimento de ações coletivas e universais – e corroboram para a intensificação da centralidade do indivíduo e, junto com ele, de um valor individualista.

A noção de individualismo desenvolve-se sobremaneira com o avanço da modernidade, quando se consolida o capitalismo e a competição se estabelece como norma social. Este processo histórico cheio de complexidades e meandros (e há tempos estudado por teóricos das ciências sociais como Pierre Dardot e Christian Laval) contribui para a compreensão da notícia recentemente divulgada em grandes veículos de uma mulher que testou positivo para a Covid-19 e furou bloqueio sanitário no litoral de São Paulo.

Poucos detalhes foram mencionados sobre o que a fez tomar tal atitude, ainda que a imprensa tenha preservado o seu nome. Para a análise aqui pretendida os pormenores podem ser dispensados, mas a partir deste fato podemos analisar alguns elementos estruturais desta sociedade. Afinal, isoladamente o caso pode parecer um mal comportamento de alguém com o desejo de ir para sua casa de veraneio, ou de encontrar amigos. No entanto, é uma oportunidade (e necessidade) de apreender a situação narrada como um sintoma social, por meio de mediações que envolvem ações individuais e coletivas.

Em se tratando da maior crise sanitária experienciada no século XXI, os feitos individuais devem ser direcionados a partir do interesse coletivo, pois apenas uma mudança de costumes de caráter coletivo – e que seja orientada pelo bem-estar deste – é que contribuirá para um futuro menos angustiante, pelo menos no que diz respeito à pandemia.

É neste quesito que a ação de uma motorista isolada é elucidativa de uma compreensão individualista que, de tão arraigada nas vidas cotidianas, tende a ficar centrada numa discussão dicotômica limitada a certo ou errado. Na mesma linha, são recorrentes os relatos de festas, de confraternizações (pequenas ou grandes), atividades de qualquer natureza que causam aglomerações e poderiam ser suspensas em nome da saúde coletiva. Não se trata de uma crítica moralista a determinados indivíduos (como a motorista), mas do reconhecimento justo e devido do papel da ciência na condução desta questão sanitária.

Situações como essa comprovam que, em nossa sociedade, prevalecem os desejos individualistas sobre as necessidades sociais (coletivas). O todo social é compreendido em oposição às aspirações individuais. A naturalização disso está introjetada na conduta cotidiana, levando a atos recorrentes que minimizam as orientações científicas e exacerbam o individualismo. Dessa forma, para uma devida transformação social e, em especial, para a superação da vida pandêmica, faz-se urgente alterar as ações cotidianas e exercitar uma reflexão crítica e elucidativa sobre a relação entre indivíduo e sociedade.


(*) Valéria Pilão é doutora em Ciências Sociais e professora do curso de Sociologia – área de Humanidades – do Centro Universitário Internacional UNINTER


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