Itália investiga turistas que atiravam por diversão em crianças e civis durante Guerra da Bósnia
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12/11/2025
Segundo jornal 'La Repubblica', cidadãos italianos pagavam o equivalente a até R$ 610 mil

O Ministério Público da cidade de Milão, na Itália, abriu uma investigação para apurar a atuação de cidadãos italianos em "safáris humanos" durante o cerco à cidade de Sarajevo, um dos episódios mais sangrentos da Guerra da Bósnia, nos anos 1990.
Segundo a denúncia, os "turistas de guerra" chegavam a pagar uma quantia que equivaleria a entre 80 mil e 100 mil euros em valores atuais (entre R$ 490 mil e R$ 610 mil) às milícias sérvio-bósnias e a intermediários para serem armados com fuzis e posicionados nas colinas ao redor da cidade.
Ainda de acordo com a denúncia, eles eram autorizados a atirar em alvos da capital bósnia, incluindo crianças e outros civis. O esquema, que incluía saídas de "excursões" às sextas-feiras da cidade italiana de Trieste, a 600 km de Sarajevo, teria existido entre 1993 e 1995.
Segundo uma reportagem publicada pelo jornal italiano "La Repubblica", o Ministério Público de Milão irá começar a convocar testemunhas para interrogatório.
A reportagem diz que a polícia conta com uma lista de colaboradores, incluindo um ex-oficial da inteligência bósnia que interrogou prisioneiros de guerra sérvios durante o conflito.
O caso foi aberto após uma investigação do repórter e escritor italiano Ezio Gavazzeni, que concedeu uma entrevista ao "La Repubblica" contando que havia ouvido relatos do safári humano ainda nos anos 1990. Ele voltou a se debruçar sobre o assunto após o lançamento de um documentário esloveno sobre o tema, "Sarajevo Safari", em 2023.
"Estamos falando de pessoas ricas, com reputação, empresários, que durante o cerco de Sarajevo pagavam para poder matar civis indefesos. Eles saíam de Trieste para a caçada humana. E depois voltavam e continuavam suas vidas normais, respeitáveis aos olhos de todos", disse ele ao jornal.
Os eventuais suspeitos podem ser indiciados por homicídio doloso agravado por crueldade e motivo torpe. Boa parte dos mortos eram civis que, num ato de desespero, se arriscavam saindo de suas casas para buscar alimentos, remédios e outros mantimentos enquanto os acessos da cidade estavam bloqueados.
O Cerco de Sarajevo foi um dos mais sangrentos episódios da Guerra da Bósnia, ocorrida entre 1992 e 1995 em meio à dissolução da antiga Iugoslávia (atual Sérvia), nos Bálcãs.
No início de março, de 1992, a população da Bósnia e Herzegovina, um dos estados da Federação Ioguslava, votou em referendo a favor da independência em relação ao governo central de Belgrado.
A decisão foi comemorada pelos bosníacos, etnia que compunha 44% da população local, mas enfrentou resistência dos sérvio-bósnios, que eram 32,5% dos habitantes.
Com o armamento e o apoio da Iugoslávia, controlada por sérvios, os sérvio-bósnios estabeleceram um exército sob um Estado reconhecido apenas por Belgrado, mas sem respaldo da comunidade internacional, a República Srpska.
Entre 5 de abril de 1992 e 29 de fevereiro de 1996, as milícias sérvio-bósnias cercaram a capital da Bósnia, Sarajevo, de maioria bosníaca — parte da população sérvio-bósnia havia abandonado o local.
A cidade fica localizada em um vale, e tropas sérvias posicionaram artilharias e franco-atiradores nas montanhas ao redor, impedindo o acesso de armas Exército Bósnio. Civis também sofreram com falta de água, luz e gás (essencial para o aquecimento durante o inverno) durante boa parte dos 1.425 dias de cerco.
Estima-se que cerca de 13 mil militares foram posicionados ao redor de Sarajevo.
Franco-atiradores eram conhecidos por atirar indiscriminadamente em alvos civis, incluindo mulheres e crianças. Cálculos da Unicef indicam que 65 mil das 80 mil crianças da cidade, ou 40% da população infantil, foi alvejada diretamente por snipers.
Segundo números oficiais, 5.434 civis foram mortos em Sarajevo durante o cerco, sento 3.855 bosníacos, 1.097 sérvios e 482 sérvio-croatas. Dos mortos, cerca de 1.500 eram crianças. Outras 15 mil ficaram feridas nos combates.
O conflito, um dos mais sangrentos da Europa após a Segunda Guerra Mundial, ficou marcado pela limpeza étnica, por crimes de guerra e contra a humanidade, como estupros em massa de mulheres, e por episódios classificados como genocídio, como o massacre de Srebrenica.
A ONU interveio no conflito, enviando capacetes azuis e realizando uma ponte aérea para a entrega de suprimentos em Sarajevo.
A guerra terminou com os acordos de Dayton, assinados em novembro de 1995. Atos de hostilidade continuaram ocorrendo até a estabilização total da situação e a saída definitiva das tropas sérvio-bósnias de suas posições, em fevereiro do ano seguinte.
Diversas autoridades sérvias foram julgadas e condenadas por crimes de guerra, como ex-presidente da Iugoslávia, Slobodan Milosević, o comandante das forças da República Srpska, Ratko Mladić, e Stanislav Galić, comandante considerado responsável direto por dar ordens aos franco-atiradores.








