O som do tempo: Curitiba e região preservam 20 órgãos de tubo
- admjornale
- há 21 horas
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27/05/2025

Poucos instrumentos musicais têm o poder de preencher um ambiente com tanta imponência quanto o órgão de tubo. Com sua sonoridade expansiva, ele é capaz de criar desde sussurros a estrondos, tudo a partir de um complexo sistema de teclados, pedaleiras e tubos que, em alguns casos, ultrapassam 20 metros de altura. Não por acaso, ele conhecido como o rei dos instrumentos.
Construído artesanalmente, cada órgão é uma verdadeira obra de engenharia e de arte. Curitiba e região guardam verdadeiras joias nesse campo: 20 órgãos de tubos instalados em igrejas e capelas, muitos ainda em funcionamento e acessíveis ao público durante missas, concertos e eventos culturais. Em todo o Paraná, o número chega a 33 instrumentos catalogados.
O organista Khae Lhucas Ferreira Pereira, consultor do Instituto Curitiba de Arte e Cultura de Curitiba (Icac), descobriu o encanto pelo instrumento ainda na infância, durante as missas na Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, no Centro de Curitiba. “Eu ficava hipnotizado com aquele som imenso que preenchia tudo”, lembra. Hoje, ele toca o órgão da catedral nas celebrações das segundas-feiras ao meio-dia.
Para ele, o fascínio pelo instrumento vai além do aspecto musical. “O órgão de tubos é um patrimônio da humanidade. Ele faz parte da história do culto litúrgico do Ocidente há mais de mil anos e, além disso, é uma construção genial. Assim como nos encantamos com pontes monumentais ou catedrais góticas, o órgão também impressiona pela engenharia envolvida”, declara Khae.
Cada instrumento, uma identidade
Ao contrário do que muitos imaginam, não existem dois órgãos de tubos iguais. Mesmo instrumentos de porte semelhante produzirão sons diferentes, pois sua sonoridade depende de inúmeros fatores: os materiais utilizados na construção dos tubos (como chumbo, madeira ou zinco), o formato e espessura das flautas (os tubos sonoros), o ambiente em que estão instalados e até mesmo a temperatura e umidade locais.
O funcionamento do órgão começa pelo ar. O instrumento precisa ser abastecido por um sistema de foles, espécie de pulmão, que injeta ar nos tubos para produzir o som. Antigamente, esse enchimento era feito manualmente, por meio de alavancas operadas por ajudantes.
“Você liga o interruptor, o enchedor de ar entra em ação e é esse ar que passa pelos tubos e gera o som. Mas isso é só a base. O som final depende da construção, do espaço em que o instrumento está, da afinação, é como se cada órgão tivesse sua própria alma”, explica Khae.
Outro detalhe curioso é que os tubos da fachada do instrumento, geralmente os maiores e mais visíveis, muitas vezes são apenas decorativos. O verdadeiro coração do órgão está escondido, um emaranhado de milhares de tubos, dispostos em câmaras internas atrás da estrutura principal.
Esses tubos são controlados por teclados e uma pedaleira. Um único órgão pode ter de um a cinco teclados, permitindo ao organista alternar entre diferentes timbres, volumes e efeitos, como se comandasse uma orquestra inteira sozinho.
Formação e futuro
Na década de 1980, Curitiba contava com um curso específico para organistas, oferecido pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, que ajudava a manter viva a tradição do instrumento. Com o tempo, o curso foi descontinuado e a formação de novos músicos passou a depender de iniciativas isoladas ou de estudos realizados fora do país.
Nos últimos anos, no entanto, uma nova frente tem dado esperanças para o renascimento do interesse pelo instrumento, há cerca de cinco anos, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) passou a oferecer um curso de construção e manutenção de órgãos de tubos. É o único curso do tipo na América Latina e já começa a apresentar resultados concretos.
Principais órgãos de tubo de Curitiba e RMC
1. Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas – Órgão de 1765
O mais antigo instrumento do estado está no Largo da Ordem. A partir de inscrições nas flautas com o ano de 1765, além do estilo gótico da ornamentação do móvel, acredita-se que tenha origem alemã. O órgão mantém ainda uma válvula manual para encher o fole de ar.
2. Igreja Bom Jesus do Cabral – Maior órgão do Paraná
Construído por Edmundo Bohn em 1963, possui 1.650 tubos e é considerado o maior do Paraná.
3. Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
Com 1.200 tubos, o órgão também é da marca Bohn, de origem gaúcha. Ele foi adquirido em 1957 para substituir um órgão Cavaillé-Coll, instrumento francês de prestígio internacional, igual ao usado na Catedral de Notre-Dame, em Paris. Hoje, está na Paróquia Nossa Senhora da Piedade, em Campo Largo.
4. Igreja do Bom Jesus dos Perdões
Abriga um órgão alemão da marca Speith, conhecido por sua sonoridade robusta e refinada. O instrumento foi inaugurado em 13 de junho de 1924, Dia de Santo Antônio, e passou por reformas, sendo a última em 2017.
5. Igreja de Sant’Anna do Abranches
Durante seu pastoreio, entre 1911 e 1915, o padre polonês Jacinto Miesopust importou da Áustria o altar esculpido em madeira, as estátuas e o órgão da igreja. A pintura do instrumento é original e está relativamente conservada. Dados sobre o construtor e a aquisição, no entanto, permanecem desconhecidos.
Foto: Cido Marques
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