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Erva-mate em sistema tradicional e agroecológico é reconhecida como Patrimônio Agrícola Mundial pela FAO

  • admjornale
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura

27/05/2025



Um simbólico sistema de produção, enraizado em séculos de tradição, cultura e respeito à natureza, acaba de receber um reconhecimento internacional histórico. A proposta “Erva-mate sombreada: um sistema agroflorestal tradicional na Floresta com Araucária do Paraná, Brasil”, foi oficialmente reconhecida como Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), em maio deste ano de 2025.


Ao todo, 11 municípios compõem o território SIPAM da Erva-mate: Pinhão, Rio Azul, Rebouças, Inácio Martins, Bituruna, Cruz Machado, Irati, São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Guarapuava e Turvo. Também fazem parte as comunidades indígenas de Rio d’Areia e Marrecas, com apoio e participação de mais de 30 instituições e organizações.


Esse selo representa mais do que uma conquista institucional. É a consagração de um modo de vida que, há gerações, resiste e floresce nas mãos de comunidades indígenas, faxinalenses e agricultores familiares. São eles que cultivam a erva-mate à sombra da floresta, com práticas agroecológicas sustentáveis, culturais e profundamente enraizadas na relação com a terra.


No coração da Floresta com Araucária


Há séculos, os povos desse território mantêm viva uma forma de cultivo que une produção agrícola e conservação da biodiversidade. O sistema agroflorestal presente na região vai além da técnica: é um modo de existir em harmonia com a natureza. Foi justamente essa força cultural, ambiental e social que motivou o reconhecimento da FAO, como destaca Jessica Mara Vergopolem, erveira e agricultora familiar ecologista: “A erva-mate é minha raiz, é a essência. Cultivar a erva-mate é muito mais do que um trabalho, é um sentimento de amor à terra. Agora, ver o Sistema Tradicional e Agroecológico de Erva-mate sendo reconhecido como SIPAM é um sonho realizado. Isso faz meu coração florescer, assim como Caá-Yari — a nossa erva-mate.”


Jessica também ressalta, que “esse reconhecimento não é apenas um mérito do meu trabalho, mas de todas as famílias e comunidades que se dedicam a preservar essa cultura. É fundamental que as políticas públicas apoiem e valorizem esses sistemas, garantindo a sustentabilidade e a continuidade da nossa cultura. É um privilégio fazer parte disso e poder continuar a compartilhar essa essência com o mundo!”, exclama ela. 


A jornada até o SIPAM


Embora a candidatura oficial ao SIPAM tenha sido iniciada em março de 2020, essa trajetória é fruto de um processo de mais de 30 anos, enraizado na história da agricultura familiar e tradicional do Centro-Sul do Paraná, especialmente no cultivo da erva-mate.


Para entender a importância do SIPAM, é necessário olhar para trás: a erva-mate é uma cultura ancestral, de origem indígena, símbolo de resistência e dos saberes camponeses, mantendo vivos os sistemas tradicionais em harmonia com a Floresta com Araucária. Desde o 1º Congresso da Agricultura Familiar, em 1995, com a criação do Fórum das Organizações dos Trabalhadores Rurais da região, até reuniões técnicas e seminários que reuniram agricultores, pesquisadores e instituições, houve um esforço contínuo para valorizar e sistematizar esses sistemas agroflorestais. Projetos como o conduzido pelo IAPAR, Epagri, ECOARAUCÁRIA e ICMBio, entre 2009 e 2013, e o Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos, criado em 2019, que pavimentaram o caminho para a candidatura agora reconhecida internacionalmente. A FETRAF-PR, ao lado de outras instituições, teve papel central nesse percurso, unindo vozes e experiências para demonstrar que produzir respeitando a floresta não é apenas possível, mas essencial para a conservação ambiental e a sustentabilidade das famílias agricultoras.


A construção da candidatura do SIPAM teve início em meio à pandemia de Covid-19. “Foi um grande desafio, porque o processo começou durante a pandemia, o que impossibilitou os encontros presenciais e as rodas de chimarrão que fazem parte da construção coletiva do movimento”, relembra Evelyn Roberta Nimmo, uma das responsáveis pela elaboração do dossiê. Apesar das limitações, agricultores, pesquisadores, universidades, sindicatos da agricultura familiar, comunidades e diversas organizações mantiveram encontros virtuais, realizaram oficinas, elaboraram documentos técnicos e buscaram apoio institucional.


Elizandro Paulo Krajczyk, coordenador-geral da FETRAF-PR, expressou com entusiasmo a importância do reconhecimento: “A notícia foi recebida com muita satisfação e emoção, após anos de trabalho intenso, especialmente por parte dos sindicatos da região Centro-Sul do Paraná. Essa luta dos companheiros foi extremamente importante e de muita resistência.” Ele também destacou o papel de Bernardo Vergopolem, liderança fundamental no processo.


Para Elizandro, o selo SIPAM é um marco na valorização da agricultura familiar e das práticas que aliam produção e preservação ambiental. Ele acredita que esse reconhecimento fortalece os sistemas agroecológicos e seus valores de sustentabilidade. “São sistemas que respeitam o meio ambiente e também garantem a sustentabilidade econômica das famílias”, concluiu, agradecendo ao Observatório da Erva-Mate e a todas as entidades envolvidas.


Bernardo Vergopolem, articulador do movimento agroecológico e membro da ECOARAUCÁRIA, do Observatório da Erva-Mate e da FETRAF-PR, compartilhou sua alegria com a conquista: “Estou muito satisfeito com essa conquista, assim como já estava com a apresentação da proposta. Mas agora, com a aprovação, temos mais responsabilidade. O reconhecimento não é um fim — é um recomeço.”


Com espírito coletivo, ele completou: “Fico feliz pelas organizações, por todos que estiveram nesse processo. Sempre lembrando que é o Observatório… a FETRAF, e depois a ECOARAUCÁRIA. A FETRAF já existia antes, e junto com o Observatório e a ECOARAUCÁRIA, estão entre aquelas 30 organizações citadas. O importante agora é seguir fortalecendo a base.”


O que significa ser SIPAM?


Anésio de Cunha Marques, representante do ICMBio, destacou o valor histórico e ambiental do reconhecimento do sistema tradicional de erva-mate como SIPAM. Ele lembrou que o certificado da FAO/ONU segue critérios rigorosos e representa uma chancela de credibilidade à iniciativa.


“Sem dúvida, é uma grande conquista”, afirmou ele. Até agora, no Brasil, apenas uma outra experiência havia recebido o mesmo selo: a dos apanhadores de flores de Diamantina, em Minas Gerais. Isso ressalta o valor único do sistema agroecológico da erva-mate no Centro-Sul do Paraná. “A característica dos ervais nativos dos sistemas tradicionais é compatibilizar a produção de erva-mate com a manutenção da floresta em pé”, explicou.


O selo SIPAM reconhece sistemas agrícolas que combinam produção sustentável, conservação da biodiversidade, segurança alimentar, identidade cultural e resiliência frente às mudanças climáticas. Trata-se de um título da FAO que garante visibilidade internacional, abre portas para políticas públicas, apoio técnico e novos mercados para produtos da floresta cultivados com respeito e ancestralidade. Ao mesmo tempo, fortalece a autoestima e a cultura dos povos guardiões dessas práticas.


Segundo Nimmo, o reconhecimento também é uma resposta aos desafios enfrentados por esses sistemas: a invisibilidade institucional, a desvalorização dos produtos e o apagamento dos conhecimentos tradicionais. “Muitos desses agricultores não se sentem reconhecidos, nem mesmo pelas políticas públicas. Falta valorização técnica, ecológica e também econômica. Agora, com o SIPAM, temos uma ferramenta poderosa para reverter esse cenário”, afirmou ela.


Compromisso com o futuro


A conquista do SIPAM coincide com os 80 anos da FAO e antecipa discussões globais da COP30, que será realizada em Belém (PA). Nesse contexto, reforça-se o protagonismo de sistemas produtivos sustentáveis e de base comunitária no combate à crise climática e na proteção dos ecossistemas.


Ao reconhecer oficialmente o sistema tradicional e agroecológico da erva-mate como SIPAM, a FAO não apenas chancela uma prática produtiva — celebra um modo de vida que resiste e inspira. Uma aliança viva entre floresta, gente, alimento e cultura.Viva a erva-mate tradicional! Viva o SIPAM! Viva a força da agroecologia, da tradição e da floresta em pé!


Apoio e participação: Municípios de Pinhão, Rio Azul, Rebouças, Inácio Martins, Bituruna, Cruz Machado, Irati, São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Guarapuava e Turvo, as comunidades Indígenas de Rio d’Areia e Marrecas, o Ministério Público de Trabalho do Paraná, os Sindicatos de Agricultura Familiar da região Centro-Sul e Sudeste do Paraná, FETRAF-Paraná, Associação Paranaense das Vítimas Expostas ao Amianto e aos Agrotóxicos (APREAA), IFPR-Campus Irati, Observatório da Erva-mate, ICMBio, CEDErva, Embrapa Florestas, ECOARAUCÁRIA, IDR-Paraná, Associação dos Grupos de Agricultores Ecológicos São Francisco de Assis (Associação ASSIS) e a Ervateira Kosloski e Silva.


Foto: Jaine Vergopolem

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