50 anos da geada negra inspira aulas e projetos históricos na rede estadual do Paraná
- admjornale
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18/07/2025

Há exatos 50 anos, a geada negra dizimava milhões de pés de café no Norte do Paraná. Meio século depois, os acontecimentos daquele 18 de julho de 1975 ganharam as salas de aula e tornaram-se fonte de aprendizado para estudantes da rede estadual do Paraná.
Por todo o Estado, professores abordam as causas e consequências do evento climático em aulas de História, Geografia, Ciências e Sociologia, entre outros. Projetos extracurriculares, desenvolvidos em sala de aula ou em contraturno, também utilizam o fato histórico como pano de fundo para o ensino de novas tecnologias e educação ambiental.
Em Londrina, um dos municípios mais afetados pela geada negra, o conteúdo chegou às aulas de Robótica e Programação. Na Escola Estadual Kazuco Ohara, estudantes de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental aprenderam mais sobre a data histórica por meio do desenvolvimento de jogos virtuais relacionados ao tema. As ações práticas ocorreram no laboratório de informática da escola, nas últimas semanas do primeiro semestre letivo.
“Foi uma oportunidade de resgatar a história local e conectar os alunos ao território onde vivem. Conseguimos integrar conhecimentos de diversas áreas, como Ciências, Biologia, História e Tecnologia, de forma interdisciplinar, promovendo sentido e engajamento no processo de aprendizagem”, observa o professor João Marcos Brandet.
Conforme o orientador, a ideia de aliar o conteúdo histórico à tecnologia surgiu de forma espontânea. Enquanto caminhava até o Laboratório de Ciências da escola, em uma manhã fria, um estudante perguntou ao docente por que a grama estava branca, o que despertou o interesse de outros alunos. A explicação sobre o fenômeno da geada evoluiu até a geada negra de 1975, evento ainda muito lembrado na região Norte do Estado. “A curiosidade dos alunos despertou a vontade de transformar essa conversa em um projeto interativo”, relembra o docente.
Após a explanação inicial sobre o fenômeno climático e a introdução da geada negra como fato histórico do Paraná, o professor aproveitou a oportunidade para integrar o conteúdo às aulas. Ao aprenderem que o café classifica-se como uma angiosperma – planta que produz flores e frutos – os alunos foram incentivados a pesquisar imagens de cafezais e fotografias históricas da geada de 1975.
Já as etapas de planejamento dos jogos virtuais foram realizadas de forma colaborativa: divididos em grupos, estudantes definiram cenários, personagens, objetivos e a lógica de funcionamento dos games. Por meio da plataforma Scratch, as criações saíram do papel e ganharam movimento, aparência e jogabilidade.
“No jogo que fiz, caía café da parte de cima da tela, e o jogador tinha que pegar o café bom. Se pegasse café, ganhava ponto. Se pegasse geada, perdia ponto”, descreve João Lucas dos Santos, aluno do 6º ano do Ensino Fundamental. “Eu achei massa aprender sobre isso, porque faz parte da história do lugar onde a gente mora, e eu nunca tinha ouvido falar”.
Depois de alguns testes e personalizações, os grupos trocaram experiências e puderam aprender com os jogos criados pelos colegas. “Gostei bastante e aprendi muita coisa sobre o café e os cuidados com a geada”, sintetizou Victoria Mendes, também do 6º ano. “Eu gosto muito de programação e robótica, quero trabalhar em algo nessa área e acredito que vou usar bastante”.
Para Brandet, o objetivo inicial do projeto foi atingido. Ao longo de um mês, os cerca de 45 alunos participantes demonstraram engajamento, curiosidade e protagonismo em sala de aula. Agora, o objetivo do professor é expandir a iniciativa a mais turmas e escolas onde leciona.
“O incentivo à robótica e à programação é fundamental para preparar os alunos para os desafios do século 21. Essas áreas desenvolvem habilidades cognitivas, criativas e sociais essenciais”, destaca. “Os alunos passaram a fazer mais perguntas, buscar informações por conta própria e se envolver ativamente na criação dos jogos. Pude observar melhorias na colaboração em grupo, na capacidade de resolver problemas e na consolidação de conteúdos interdisciplinares”.
AULA NO JARDIM – As iniciativas sobre os 50 anos da geada negra não ficam restritas às regiões Norte e Noroeste do Estado, onde o plantio de café foi diretamente afetado pelas condições climáticas extremas. Em Curitiba, um projeto interdisciplinar no Colégio Estadual Leôncio Correia aborda o fato histórico tanto em sala de aula quanto no jardim da escola.
Localizado na área urbana da Capital, o colégio conta com um extenso jardim, onde plantios de milho, manga, abacate e erva-mate decoram o pátio em meio às araucárias. Dentre os cultivos, também nota-se seis pés de café, plantados por uma antiga funcionária da escola, que ainda hoje dão frutos.
A abundância de possibilidades deu origem ao projeto Cultivando Saberes, coordenado pelo professor de Sociologia e Educação Ambiental Gabriel Sorrentino. Desde 2019, alunos do colégio são incentivados a explorar diferentes cultivos na horta do colégio, integrando os conhecimentos ao conteúdo aprendido em sala de aula.
Em 2025, os 50 anos da geada negra inspiraram um trabalho específico com os pés de café. Além de aprender sobre o evento histórico, os participantes do projeto fizeram o processo completo de colheita, torra, moagem, preparo e consumo do grão.
“Foi uma oportunidade para eles aprenderem as técnicas de cultivo, processamento e preparo do café e outras culturas, mas também sobre o contexto histórico e social dessas produções. Eles entenderam como o clima afeta as dinâmicas populacionais e o crescimento da cidade de Curitiba a partir da geada negra”, ressalta Sorrentino.
O contato direto com os pés de café tornou mais fácil o entendimento sobre como e por que a geada negra aconteceu. “Nós aprendemos muito sobre como a sociedade pode impactar no ambiente, tanto de forma positiva quanto negativa, e também como o ambiente pode impactar na nossa vida e na sociedade em geral”, resume Nicole Yukari, estudante do 3° ano do Ensino Médio.
GEADA NEGRA – O fenômeno conhecido como geada negra é caracterizado pelo congelamento da seiva das plantas, e pode ocorrer em dias de frio intenso, ventos com intensidade moderada ou forte e baixa umidade relativa do ar. A intempérie provoca a morte das culturas e um aspecto escuro nas folhas das plantas necrosadas, do qual deriva o nome “geada negra”.
Nesta sexta-feira (18), completa-se o cinquentenário da geada negra que devastou os cafezais paranaenses em 18 de julho de 1975. O evento climático extremo, registrado principalmente no Norte e no Noroeste do Paraná, teve impactos econômicos, sociais e ambientais em diferentes regiões do Estado.
O fenômeno transformou o perfil agropecuário do Paraná e ocasionou, dentre outras consequências, o fortalecimento do cultivo da soja e de outros grãos, o crescimento da horticultura e a modernização de cadeias de proteínas animais. Além disso, a crise na economia cafeeira contribuiu para a urbanização do Estado e o aumento populacional de cidades como Curitiba, Londrina e Maringá, uma vez que muitas famílias se viram obrigadas a migrar para os centros urbanos em busca de novas oportunidades.
Foto: Arquivo pessoal