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Os exorcismos em Curitiba para reverter bruxaria do século XVIII

O outro processo da Câmara Municipal de Curitiba contra feitiçaria, no período pesquisado, foi instaurado no dia 7 de março de 1763

A “negra forra” Sipriana Rodrigues Seixas, casada e grávida, na faixa dos 40 anos, foi acusada por Manuel da Cunha de provocar doenças em seu esposo, quatro filhas e uma irmã. “O denunciante afirmou que ela ‘tinha um cartório’ com mulheres de nome ‘Fuã’ (não é possível identificar quantas eram). Ou seja, que elas estavam organizadas”, relata Danielle.

“Ele disse que, devido aos feitiços de Sipriana e das Fuãs, suas familiares vomitavam baratas vivas, pedaços de ossos, cabelo e pernas de sapo, entre outras coisas”, completa. O processo menciona que foi chamado o reverendo vigário, e que apenas com exorcismos as supostas vítimas melhoravam. Outra acusação é que as mulheres faziam bolos envenenados, com os quais mataram algumas pessoas.

Segundo a pesquisadora, uma das testemunhas afirmou que os arredores da Vila de São José dos Pinhais tinha muitas feiticeiras, subentendendo-se que as rés moravam na região. “O interessante é que a Romana, que 12 anos depois acusaria Francisca e Luiza, foi uma das pessoas que defendeu Sipriana, alegando sua inocência”, afirma.

A sentença saiu no dia 14 de junho de 1763, pelas mãos do juiz ordinário de Curitiba Manoel Gonçalves de Sam Payo. Elas foram condenadas à prisão pela prática de feitiçaria, sem um tempo estipulado. Sipriana, então, fez uma apelação à Ouvidoria de Paranaguá (Curitiba só se tornou sede da Comarca em 1812), mas não há informações sobre a continuidade do processo.

Há uma possível referência ao caso no “termo de vereanssa” da sessão de 10 de setembro de 1763. O juiz ordinário Sam Payo discorreu sobre mulheres que estavam presas na cadeia da vila “por crime que lhe arguirão partes que dellas denunciarão” e deveriam ser enviadas a Paranaguá, sede da Comarca.

Ele pediu dinheiro ao Conselho para a remessa das detentas, mas o tesoureiro da Câmara Municipal de Curitiba argumentou que não seria possível, devido às “muitas despesas que se havido feito”. Não foi localizada, nas demais atas do ano e nas de 1764, outra menção às mulheres presas que deveriam ser enviadas a Paranaguá.

Outra pesquisadora, Liliam Ferraresi Brighente, já havia realizado um levantamento no Arquivo Público do Paraná sobre processos contra a feitiçaria entre 1700 e 1750. Ela identificou um caso de 1735, em Paranaguá. Denunciada por Manoel Gonçalvez Carreir, a índia Maria do Gentio da Terra foi considerada culpada e “degredada” (expulsa) da vila.

Análise

“São processos típicos da época, sem lógica cartesiana e materialmente desgastados pelo tempo”, analisa Danielle. “Eles indicam a imposição da Igreja Católica por meio do direito e que a sociedade ainda tinha uma visão mágica do mundo. Apontam que as autoridades da Câmara Municipal preocupavam-se em manter a religiosidade”.

O zelo pela religiosidade é corroborado por diversos documentos da época. Primeira correição da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais e base para posturas dos futuros ouvidores e da Câmara Municipal, os provimentos do ouvidor Raphael Pires Pardinho, de 1721, não trataram apenas de questões para a organização da cidade.

Dividido em 129 “artigos”, o documento trata, por exemplo, do pagamento do dízimo e da obrigação de todos assistirem e prepararem suas casas para as procissões de Corpus Christi e de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, dentre outras, sob a pena de multa de uma “pataca”.

Já os provimentos de 1800, do ouvidor-geral e corregedor João Baptista dos Guimarães Peixoto, afirmam que os juízes ordinários deveriam prezar pela conservação da decência e respeito. Caberia a esses oficiais da Câmara Municipal “dar parte” ao corregedor de “pessoas que mostrarem publicamente pouca religião e que forem escandalosas”.

“O Brasil não reproduziu a caça às bruxas vista na Europa. A Inquisição, de uma maneira geral, esteve mais preocupada em investigar novos cristãos (judeus convertidos) e sodomitas (homossexuais)”, complementa Danielle. “O perfil dos acusados de feitiçaria, tanto pela Igreja quanto pela justiça comum, era de mulheres pobres. Negras, pardas ou índias”.

De acordo com o “Dicionário do Brasil Colonial”, o país teve, entre os séculos 16 e 18, 200 acusações de feitiçaria. “Poucos foram os processos completos do Santo Ofício português nessa matéria. (…) Menos preocupada com a feitiçaria que com o Judaísmo, a Inquisição portuguesa perseguiu pouco a feitiçaria, rastreando mais o shabat judaico que o sabá diabólico”, explica a obra.

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