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Livro "A Lua e o Girassol" enfoca histórias de mães que perderam filhos

  • Foto do escritor: JORNALE
    JORNALE
  • 24 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

24/05/2021


Essa experiência – a maior dor do mundo – não é passível de nomeação



A mulher que perde o marido é viúva; a que perde os pais é órfã. A mulher que perde o filho é algo que não cabe em palavras. Essa experiência – a maior dor do mundo – não é passível de nomeação. Vivenciar o inominável é voltar à condição alheia de criança recém-nascida, incapaz de concretizar qualquer estímulo que não venha das próprias vísceras. O mundo de fora fica mudo; o de dentro, grita a cada toque. Como se sente a mulher diante da morte de um filho? Esse questionamento é, de certa forma, o start para o livro A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz”, da autoria de Marina Miranda Fiuza, a partir de depoimentos de sete mães cujos filhos, de diferentes idades, faleceram em circunstâncias diversas. Lançada pela Primavera Editorial, a obra conta com o prefácio do escritor português Valter Hugo Mãe.


Na apresentação, Valter Hugo Mãe afirma: “As mães e os pais dos mortos são muito sem sentido. Nem sempre sabemos onde têm a cabeça ou os pés porque tanto daquilo que os ordena é agora de outra natureza. Ficamos diante dessas pessoas pasmando, porque elas contêm uma ciência que nenhuma biblioteca vai conter, simplesmente porque não há como explicar o absurdo, ele é uma experiência indizível que os livros imitarão sem sucesso algum”.


Os depoimentos – de Carla Scheidt Lund, Claudia Petlik Fischer, Gabriela L. C. S. Oliveira, Maria Cecília C. Nigro Capuano, Mariana Azevedo Laurini Yoshida, Marília Rocha Furquim e Marlise de Andrade Corsato – foram concedidos a Marina Miranda Fiuza. “Este livro foi escrito a partir da narrativa de sete mulheres. Ao contrário da maioria das amizades que nasce de encontros ocasionais, da frequência de ambientes comuns, de paixões compartilhadas e interesses mútuos, o que as aproximou foi a experiência da morte dos seus filhos”, detalha Marina, acrescentando que, no livro, em muitos momentos, as sete vozes se confundem em evocações uníssonas; os nomes próprios se desfazem diante dos sentimentos comuns.


Segundo a autora, a amizade entre Carla, Cecília, Claudia, Gabriela, Mariana, Marília e Marlise foi firmada pelo laço doloroso do luto. “Entre elas, sentiam-se livres para falar sobre os seus filhos, mesmo quando o mundo ao redor parecia ter superado a morte deles; entre elas, puderam expor os desejos mais macabros, sem serem julgadas de insanidade; foi permitido que as intimidades viessem à tona sem o receio de magoar ninguém. Foi permitido chorar enquanto riam e rir enquanto choravam, sem obedecer à imposição social da alegria a todo o custo, nem da penitência do luto eterno. Houve espaço, ainda, para não dizer nada, quando o silêncio se fez necessário”, afirma, acrescentando que continuam, hoje, essa amizade. “Procuram-se, hoje, para se sentirem menos sozinhas. Imersas em uma sociedade em que a morte é tabu, são isoladas pelo estigma da mãe enlutada”. A sociedade oscila entre reprovar a “superação” do luto de um filho e a santificar uma mulher que resiste à morte do filho.


Os capítulos abordam a experiência cíclica de viver em luto e viver em luz, algo que se alterna nessa experiência que demanda “continuar vivendo”. As diferentes experiências de luto; Os rituais de despedida; As burocracias da morte; A sobrevivência imposta; As sequelas do luto; Meu filho vive em mim; Os objetos que ficam; Desfazendo o quarto; Encontrando a luz no fim do luto; Transformações necessárias; Como prejudicar o luto de uma mãe; e Preservando a memória são alguns dos títulos que abordam diferentes fases desse luto que se alterna.


Pertinência da obra


Segundo Lu Magalhães, fundadora e presidente da Primavera Editorial, em um momento no qual milhares de mães brasileiras vivem o luto, a obra tem o objetivo de falar abertamente sobre um tema delicado. “Este livro toca em um assunto que poucas pessoas querem abordar. Esse luto é dilacerante, e os seres humanos que o vivem precisam de apoio não apenas familiar, mas de toda a sociedade. A experiência de lidar com a morte de quem amamos, em tempos de pandemia, passou a ser presente no cotidiano do mundo. E, diante dessa realidade que afeta muitos, temos que lidar com a temática com delicadeza; tirar o tema do campo do tabu para dar voz a essas mulheres”, afirma.


Larissa Caldin, publisher da Primavera Editorial, conta que “ao escolher esse título para nosso catálogo, fomos apontadas por alguns como ‘corajosas’ por abordar um tema delicado. Não vejo como coragem, mas como necessidade e respeito. Parafraseando Mia Couto ‘Não morre quem se ausenta, morre quem é esquecido’”.


Marina Miranda Fiuza, a autora, conta que conheceu as mães – que se reuniram em um grupo no Facebook de mães enlutadas – em 8 de março de 2018. “Sempre atenta às mensagens do mundo, sabia que o dia não era mera obra do acaso. De fato, não demorou muito para que eu me desse conta de que o projeto do livro seria, também, uma descoberta da força e sabedoria femininas. Nos depoimentos e na vida, é como se cada uma se dividisse em duas versões de si mesma. A versão que avançou na jornada estende a mão para aquela que permanece passos atrás e lhe diz: vai ficar tudo bem. Se uma contempla a luz, a outra sempre relembra a escuridão. Nessa gangorra, a vida prossegue, não menos difícil, não menos bela. Sempre lua, sempre girassol”, finaliza.

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