09/11/2021
Por Ricardo Alexandre da Silva (*)
A Constituição prevê a liberdade de expressão no artigo 5º, inciso IV, afirmando que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Isso significa que qualquer cidadão, desde que se identifique, estará livre para expor suas ideias e opiniões. No mesmo artigo 5º, inciso V, a Constituição garante aos ofendidos o direito de resposta e a indenização por danos materiais ou morais em razão de ofensas eventualmente proferidas. Procura-se um ponto de equilíbrio: cada um pode dizer o que pensa, mas ofensas e mentiras serão combatidas com direito de resposta proporcional e o agressor poderá ser condenado a ressarcir a vítima.
Graças às redes sociais, podemos nos comunicar instantaneamente, apresentando opiniões sobre os mais diferentes assuntos. Frequentemente, contudo, a liberdade de expressão dá lugar a ofensas. Para combatê-las, o Código Penal prevê os crimes de calúnia, de difamação e de injúria, nos artigos 138, 139 e 140. Caluniar é acusar falsamente alguém de praticar um crime. Difamar é dizer que uma pessoa praticou um ato que prejudica sua própria reputação. Injuriar é ofender.
Entendo que ninguém deveria ser processado criminalmente por ofender uma pessoa ou atribuir a ela uma conduta que ela considera inadequada. Nesses casos, poderia haver indenização proporcional aos danos causados à imagem. Por outro lado, afirmar que alguém cometeu um crime, sabendo que isso é mentira, é algo bastante grave, a merecer punição enérgica, inclusive criminal. O acusador sempre poderá provar no processo que tinha elementos que o levavam a acreditar que determinada pessoa realmente cometeu um crime. Nesses casos, será inocentado. O que o Código Penal procura combater é a mentira.
Faço essas breves considerações para demonstrar que a liberdade de expressão encontras limites no Direito brasileiro. A expressão é livre, mas os cidadãos podem ser responsabilizados por suas palavras. As redes sociais, ao contrário do que muitos imaginam, não são terra de ninguém. As ofensas podem gerar indenizações, além de processos criminais por injúria, calúnia ou difamação.
Se alguém manifestar sua opinião sem violar o direito de terceiros, não poderá ser perseguido em juízo por isso. Imaginemos que alguém proponha modificações constitucionais para que o Senado seja extinto, transformando o Legislativo brasileiro no que se chama “sistema unicameral”. Essa medida pode contrariar o interesse de senadores e mesmo de seus eleitores, mas não há nada na proposta que impeça sua divulgação ou que possa levar a reparações civis ou a processos criminais. Isso também vale para propostas que sugerissem a fusão do Supremo Tribunal Federal com o Superior Tribunal de Justiça ou a extinção de uma dessas Cortes. Segundo a Constituição, ninguém pode ser condenado por defender essas ideias. Se hoje temos a divisão de poderes constitucionalmente prevista, isso só aconteceu porque alguém pôde pensar a melhor maneira de dividir o poder estatal, garantindo liberdade aos cidadãos.
Opiniões políticas, desde que não descambem para a ofensa, não podem ser proibidas ou controladas. Desse modo, vejo como inconstitucional a atuação do Supremo no Inquérito 4.781, chamado de “inquérito das fake news”. Nessa investigação, aberta pelo STF sem pedido da Procuradoria-Geral da República, com fundamento em artigo do Regimento do Supremo cujo objetivo é apurar crimes ocorridos no tribunal, foi determinada a retirada de uma matéria desabonatória ao ministro Dias Toffoli.
Segundo a reportagem, o empreiteiro Marcelo Odebrecht teria afirmado que a expressão “o amigo do amigo de meu pai”, presente em trocas de e-mails, seria uma referência a Toffoli. Talvez a divulgação pudesse caracterizar difamação ou injúria. Talvez ela pudesse gerar a condenação da revista ao pagamento de reparação civil. Para isso, contudo, teriam de ser ajuizados os processos adequados, o que não aconteceu. Simplesmente foi determinada a exclusão da reportagem.
Muito se tem falado sobre abusos institucionais à liberdade de expressão. É importante não esquecer, porém, que ela vem sofrendo diariamente nas mãos do progressismo “politicamente correto”. A igualdade, assegurada na Constituição, vem sendo invocada de forma distorcida, com o objetivo de cercear o direito de terceiros expressarem suas opiniões. É possível criticar as cotas raciais para ingresso nos serviços públicos ou ao ensino superior sem ser racista. Da mesma forma, pode-se defender determinado modelo de família sem ser homofóbico.
Para que a sociedade se desenvolva de forma justa, livre e próspera, não pode haver obstáculos à liberdade de expressão. A solução dos problemas que nos atingem exige que sejamos livres para propor ideias e chegar às melhores soluções. É isso que nossas instituições deveriam garantir.
(*) Ricardo Alexandre da Silva é advogado, professor e presidente do IFL – Curitiba.
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